O Discurso do Rio
Género Poesia
Ano 2020
ISBN 978-989-703-256-1
Idioma Português
Formato brochura | 56 páginas | 14,8 x 21 cm
Entre o rio e o seu bem-amado
Alguns poetas brasileiros têm a capacidade extraordinária de conseguir regressar às coisas primeiras, como se, de fato, abrir uma janela e olhar o mundo pela vez primeira fosse possível. Olham com as palavras, é certo, mas, mesmo essas, parecem trazer-lhes (-nos) os primeiros sons. Cyro de Mattos é um desses poetas e não será certamente por mero acaso que, além de poeta e ficcionista, este seja também um autor de livros para crianças. Digamos que, tratando-se de escrever sobre um rio, este só poderia assim ser: um autor-menino, de olhos lavados e bem abertos.
Quando, há 15 anos, me tentava debruçar sobre a sua escrita pela primeira vez, eu própria, como se poderá perceber das minhas palavras de então, estava numa fase, digamos, atónita: simultaneamente, perante a acima referida característica fundamental da obra deste autor; e perante a Bahia, de onde ele é oriundo, e que eu tinha visitado apenas em tempo recente. Infelizmente, com a idade vai-se perdendo a capacidade do espanto, mas, mesmo sofrendo pela perda do seu rio querido, Cyro de Mattos parece conhecer a fórmula para evitar essa terrível consequência do tempo. Aqui está ele, de novo, voltando a coisas primeiras com palavras primeiras.
Fala-se hoje muito de ecopoesia e é essa mesma que este autor nos apresenta nesta obra, não só porque se move, teluricamente, numa relação de procura de unidade com o corpo da terra, mas também porque, numa espécie de reciclagem, vai tecer uma vertente mais tradicional e canónica da escrita (esta obra é constituída por sonetos) com a tentativa permanente de reescrita (e muitos são os ecos intertextuais de outros textos, seus e não só) em que a complexidade de alguma experimentação se revela, nomeadamente a nível de padrões de som. Assim se apresenta a sua ecopoética, que é também, e talvez sejam esses os traços de maior complexidade, uma metapoética e uma ética.
Graça Capinha (do prefácio)