Descrição
Diz-nos Mia Couto, num dos seus textos de intervenção: «A pergunta poderia ser: qual é a responsabilidade do escritor para com a democracia e os direitos humanos? É toda. Porque o compromisso maior do escritor é com a verdade e com a liberdade. Para combater pela verdade o escritor usa uma inverdade: a literatura. Mas é uma mentira que não mente.», Couto, Mia. «Que África escreve o escritor africano?», Pensatempos - Textos de Opinião. Lisboa: Caminho, 2005, p. 59. Para depois acrescentar: «o escritor não é, apenas, aquele que escreve. É aquele que produz pensamento [...]. Mais do que isso, o escritor desafia os fundamentos do próprio pensamento.», p. 63.
Jacques Derrida tem, em «Cette étrange institution qu’on appelle la littérature», uma formulação que nos parece ajudar a situar melhor a posição do escritor, nesse seu duplo compromisso: «mesmo se elas o fazem de modo desigual e de forma diferente, a poesia e a literatura têm como traço comum o suspender da ingenuidade «tética» da leitura transcendente. Isso dá também conta da força filosófica dessas experiências [literárias e poéticas], uma força de provocação a pensar a fenomenalidade, o sentido do objeto, mesmo o ser como tal, uma força pelo menos potencial, uma dynamis filosófica.», Derrida, Jacques. «Cette étrange institution qu’on appelle la littérature» in Dutoit, Thomas; Romanski, Philippe (dir.), Derrida d’ici, Derrida de là. Paris: Galilée, 2009, p. 265.
É essa suspensão da leitura transcendente que nos detém aquém da afirmação exclusiva (e excludente) de qualquer tese. E é, em suma, também nos seus termos que literatura e democracia se coimplicam, na sua afirmação simultânea. Embora relativa à suspensão, esta formulação não é, pois, nemética nem politicamente neutra. É antes
a afirmação-chave de um princípio que – no que toca à relação com a alteridade e à circulação entre as culturas que, diversa e internamente, o constituem – a coesão do país e o futuro da nação exigem.
Índice da Obra
Limiar
Ler Mia Couto com Jacques Derrida... 13
Bibliografia 61
AS DUAS ESCRITAS
I
Mia Couto:
escrita e racismo
– ou «a arrogância de um único saber»...
1. A escrita como notação linear: a foraclusão do Outro... 71
2. Michel Foucault: Poder / Saber – ou os saberes subjugados... 77
3. A escrita como «obliteração do próprio»: a «descoberta do outro»… 85
4. Escrita e «racismo»: «a arrogância de um único saber»… 91
Bibliografia 98
II
Mia Couto:
memória e esquecimento,
em A Varanda do Frangipani…
Introdução 103
1. O regresso do morto e o inspetor:
um certo confronto com o mundo da oralidade... 109
2. O aro de Navaia Caetano: uma certa alegoria do tempo... 113
3. O «antes» e o «depois»:
de uma relação contingente entre mundos... 119
Considerações finais 124
Bibliografia 137
III
Mia Couto
– A escrita e o Outro da língua
1. A rasura do nome 144
2. Uma pequena história não é uma história pequena. 155
Bibliografia 164
MEMÓRIA E ‘TRADUÇÃO CULTURAL’
IV
Mia Couto:
justiça e vida nua
em O Último Voo do Flamingo
1. Entre morrer e ser morto: «só os factos são sobrenaturais» ... 171
2. «Explodiram, na inteira realidade?» 177
3. A igreja do padre Muhando junto ao rio: as pegadas de Deus... 185
4. Sulplício e «o bando de Corah»: um céu debaixo da terra... 192
Bibliografia 199
A QUESTÃO DOS GÉNEROS
V
Mia Couto:
– A Confissão da Leoa:
na linha de fogo...
1. A proclamação da leoa: na linha de fogo... 212
1.1. Vashilo – a sobrevivência da/pela (contra-)imagem... 223
2. Tangências: o paradigma da histérica... 229
Bibliografia 239
VI
Mia Couto:
Representação e Subalternidade
em Mulheres de Cinza
1. Introdução: subalternidade e heterogeneidade. 245
2. Sombras do presente: duas formas de representação... 251
3. Da «impossibilidade de ser eu mesma»: ou a mulher sem nome... 260
4. Da obliteração do nome: a singularidade, o neutro... 265
Bibliografia 271
UMA REVISITAÇÃO CRÍTICA DA HISTÓRIA
VII
Mia Couto:
– «História» e ficção,
em O Outro Pé da Sereia…
1. A ficção da História: poder e saber... 279
1.1. Um subtrativo entre-dois: ficção e história... 281
1.2. A historicidade da «ficção»: os passados do presente... 286
2. A «morte da História»: os espaços do inverso... 298
2.1. «Os mortos [que] não se vão»... 302
2.2. A casa da (meta)ficção: memória e «História»... 307
3. A travessia da escrita 313
Bibliografia 317
VIII
Mia Couto
As Areias do Imperador:
escrever Portugal, a partir do degredo...
1. A ambivalência da nação – «enquanto estratégia narrativa» ... 323
2. Uma economia política do suplemento: o vazio da origem... 330
3. Imani? – ou a indagação do nome: «uma sombra sem corpo»... 337
4. A vertigem do espaço liminar: uma (contra-)narrativa da «nação»... 344
Bibliografia 352
IX
Mia Couto
Vinte e Zinco
– ou «o gozo da História»...
1. Joaquim de Castro – ou «o gozo da História»... 368
2. As sombras do presente – o pressentimento do caos... 376
3. Uma alegoria trágica do Império... 381
Bibliografia 385
LUTO E/OU MELANCOLIA?
X
Mia Couto
luto e melancolia,
em O Mapeador de Ausências
1. Introdução 393
2. Luto ou melancolia? Introjeção versus incorporação? 400
3. O protesto da melancolia: ou um luto impossível... 408
4. Considerações finais 418
Bibliografia 424